domingo, 21 de outubro de 2012

nos embalos de terça à noite

e a disciplina #edca33 acabou-se!
 ficam as saudades e os muitos aprendizados com uma galera muito sabida que ficará guardadinha no meu coração!



Professora Bonilla

Ugo


Sigmar e Ugo
Santana, Maria Helena, Handherson e Eu

Aula no auditório, com transmissão da rádio Faced: Sigmar, Maria Helena, Priscilar, Harley, Irinaldo e Handherson.

a turma (quase) toda! valeu, gente!

(infelizmente não achei fotos de todos)


photos by petruspetry • 
@pedroSantosilva

terça-feira, 16 de outubro de 2012

as multifaces da inclusão

inclusão é a palavra de ordem da nossa era. um tema da moda.




em épocas de acalorados discursos políticos como essa de eleições-eleitoreiras, percebemos como o argumento da inclusão se tornou o tema mais recorrente. em qualquer debate sobre questões sociais, econômicas, educacionais lá está ela, a tal inclusão. apesar de ser presença garantida em políticas públicas e ações de todos os tipos, se olharmos com um pouco de criticidade para esses discursos veremos que são construídos muitas vezes de forma contraditória.

muitos autores, têm questionados as origens e desdobramentos políticos da ordem desse discurso sobre a inclusão: o que pressupõe? o que possibilita? a que tipo de sujeito se destina? quais relações sociais requer?
enquanto ocorre o amplo uso desse termo em diversas áreas, pressupondo diversos outros conceitos, vemos que, atualmente, a associação entre inclusão e acessibilidade às tecnologias de informação e comunicação é cada vez maior. quem não tem acesso e/ou não sabe usar o computador, a internet, não está em uma rede social digital, seria excluído. desde o final da década de 1990 no brasil, baseado em ações internacionais, temos visto o investimento em programas que se destinariam à inclusão de pessoas excluidas digitalmente: assim desde a implantação de laboratórios de informática, centros de acesso, os infocentros até os programas de distruibuição de computadores para alunos de escolas públicas como o UCA e de ampliação do sistema de banda larga nas escolas (Plano Nacional de Banda Larga), estariam vinvulados aos objetivos de incluir e garantir o direito à participação nessa nova cultura, a digital.



no livro Inclusão digital: polêmicas contemporâneas, já no prefácio, elaborado pelo professor André Lemos, vê-se um profundo questionamento sobre essa noção de inclusão pressuposta em ações que apesar de visarem à inclusão, na realidade excluem os já excluídos, dando-lhes ainda um falso sentimento de inclusão. (p. 15).

no artigo Inclusão Digital: ambiguidades em curso de Bonilla e Oliveira  (p. 23 - 48) os autores apresentam uma análise dos discursos sobre a inclusão digital. tomando por base a crítica empreendida por diversos autores aos conceitos que fazem parte da tessitura da inclusão digital: exclusão e inclusão social.
embora os autores analisados, discutem como controversa a noção de exclusão, uma vez que a esta limita a compreensão da complexidade da problemática social. afinal, no atual sistema economico em vigor, o capitalismo, a exclusão é a regra estruturante. assim, as propostas de inclusão oriundas de concepções limitadas da dinâmica tensa e contraditória, não dão conta nem de explicar, nem de superar tais conradições.

o texto ainda analisa como esses argumentos foram transportados para a questão das tecnologias, localizando histoorica e conceitualmente essa transposição. as políticas de inclusão digital que têm sido construídas em nosso país, deste modo, não superam a lógica verticalizada de concepção, implantação e gestão de programas que, não têm oportunizado a superação da lógica economicista e/ou consumista. que quesitione e ensine a questionar as próprias concepções em que se baseiam.
os autores apontam para a necessária superação desses equívocos conceituais e políticos que a inclusão digital, como tem sido encarada no brasil tem fomentado. apontam para a construção de perspectivas emancipatórias que visem a mudança de foco das politicas na medida em que enfatizem a produção de conteúdos digitais que valorizem as culturas das comunidades atendidas (não pressupondo sua dependencia e limitação, ou seja: não pressupondo que são passíveis de inclusão, portanto, sujeitos passivos, manipuláveis) mas que sejam capazes de criar e recriar suas próprias experiências critativas, contextualizadas com as próprias expectativas.  

dentro dessa perspectiva, penso na experiência dos meninos dA Voz das Comunidades. inicialmente um jornal impresso e xerocado por um grupo de crianças (de 12 anos aproximandamente) com notícias, informes e outros conteúdos culturais interessantes, distribuidos gratuitamente para os habitantes da comunidade do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. com a ocupação da polícia carioca à comunidade, e com a  midiática exposição da fuga dos traficantes e das ações policiais (muitas vezes violentas e desastrosas), o jornalzinho, que a essa altura já estava em um blog e no twitter, ganhou o mundo.

sigo o Renê Silva, o @Rene_Silva_RJ, idealizador dA Voz. acompanho suas andanças, palestras e eventos, divulgando o trabalho relizado na comunidade. volta e meia ele questiona como as mídias tradicionais tratam as notícias dadas em primeira mão por eles, são meninos agora com 18 anos em média, não seriam dignos de serem referenciados como fonte? na maiorira das vezes não são.
as mídias, a escola, a polícia, a comunidade, tudo está passível de transformação na medida em que seus próprios moradores, meninos e meninas, e tantos outros espalhados pelo brasil por eles inpirados, têm voz. poder falar o que pensam, o que querem, o que vivem, o que sofrem é um avanço, tendo em vista o histórico silenciamente dos estratos sociais mais fragilizados.
tomando o Renê como exemplo, penso que se falar de 'inclusão digital' é limitador demais. o Renê e sua trupe não estão incluídos. continuamm fragilizados por uma série de fatores geográficos-políticos-etnicos-econômicos etc, etc. o que eles fazem, no entanto, os colocam para além da maldita caixa que formata pensamentos e vidas. 
urge, portanto, repensar essa "inclusão" para além dessa lógica capitalista  que torna o consumo dos produtos  uma necessidade (afinal, quem não possui ou não sabe usar esses 'brinquedinhos tecnológicos' está fora do mundo digital).
como os integrantes dA Voz, precisamos aprender a vivenciar, compartilhar, re-criar e re-significar nossa  cultura, do local para o global, dizer a própria palavra.


mais sobre o Renê: aqui, aqui e aqui

enquanto isso, na sala de justiça...

e também houve no brasil a "guerra dos cem dias": resultado de embates entre professores e a política de (má)gestão da educação pública brasileira. ficamos sem aulas, sem nada. 

conflitos internos, esperanças em frangalhos, (des)encaminhamentosdentro do movimento grevista, muitos  des-acertos... entre os textos que me chamaram a atenção estão o do Saci. há quem questione, quem não goste, quem ignore, mas achei relevante para reflexão: a educação superior, assim como os outros estratos de ensino, vivencia contradições extremas entre discursos e práticas, entre investimentos e sucateamento, entre seriedade de debates e as tais 'forças ocultas' que mtas vezes direcionam os caminhos. 
a greve acabou. que benefícios trouxe? houve avanços? não sei. mas me parece que pensar em um movimento nacional de paralizações terminar de forma tão morna, sem voz, sem vida, sem nada nos bolsos nem nas mãos, é triste. e vergonhoso.

terça-feira, 15 de maio de 2012

seminário: Tecnologia Assistiva


os recentes estudos e pesquisa na área da Tecnologia Assistiva têm proporcionado o desenvolvimento de produtos, serviços, práticas e concepções responsáveis por muitas mudanças na vida das pessoas com deficiência. nos últimos anos, tenho o privilégio de acompanhar essas mudanças cotidianamente, através do trabalho que desenvolvo com pessoas cegas.
embora faça parte do cotidiano de um significativo contingente populacional, a Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento ainda pouco pesquisada e difundida, sobre a qual muito ainda precisa ser discutido, principalmente no âmbito da educação. em se tratando dessas teconologias, os conceitos, legislação e práticas de atuação ainda são pouco conhecidas da sociedade em geral. dentre os muitos são os aspectos que precisam ser estudados/refletidos num debate que envolve tantas outras questões referentes à acessibilidade, educação e inclusão social de pessoas com deficiência, mobilidade reduzida, idosos etc.

é nesse contexto que no seminário sobre Tecnologia Assistiva abordaremos: concepções socioculturais sobre o que é ser deficiente, suas implicações no contexto educacional, político e também da evolução tecnológica da qual essas pessoas não estão alheias.


tomamos como principal referência o trabalho do
profº Teófilo Galvão Filho: http://www.galvaofilho.net/

domingo, 22 de abril de 2012

cibercultura para todos?


compreender a cibercultura requer mais do que a definição do desenvolvimento técnico potencializado pelas sociedades ocidentais desde o projeto racionalista-iluminista da modernidade até nossos dias, para além disso, faz-se necessária problematizar a análise de alguns pontos emergentes (tais como: as práticas sociais, políticas, culturais, artísticas, urbanísticas, éticas, entre outros). a nova configuração comunicacional contemporânea, gestada nas/pelas tecnologias digitais de informação e comunicação nos apresentam  perspectivas vivas e pulsantes, diferente do que previu o imaginário moderno, cujo medo característico foi amplamente difundido pelo ideal da robotização e assepsia comuns à futurística do cinema.
no ensaio: Cibercultura: alguns pontos para compreender a nossa época, Lemos[i] discute esse  imaginário, as metáforas e as práticas sociais precedentes à cibercultura e suas atuais implicações/re-configurações, até as características dessa nova perspectiva sociocultural: a estrutura técnica, a difusão do acesso e suas relações com o cotidiano e as novas demandas que surgem nos aspectos legislativo, médico (as formas como entendemos e manipulamos os corpos, os cyborgs) e as questões da cidades (cibercidades) etc.
ao refletir sobre o atual contexto da comunicação e informação a que todos estamos envolvidos, devido justamente ao fato de que na origem da cibercultura estão as possibilidades planetárias da comunicação digital, ubíqua, desterritorializada, cada vez mais ampla e abrangente, como o fluxo de informações que cria-movimenta-vigia-re-configura os diversificados níveis da nossa vida cotidiana, não posso deixar de pensar em um aspecto a que Lemos não se refere diretamente, mas que, creio eu, é transversal a qualquer discussão sociocultural: a educação.
mais do que o desenvolvimento de equipamentos e técnicas, a cibercultura pressupõe uma re-configuração social, devido a uma relação simbiótica entre os elementos da tecnologia digital que se propaga e as novas práticas e relações culturais, comunicativas. pensando assim, a questão da educação se faz mais do que presente.  para ser fiel ao léxico usado pelo autor, a cibercultura fomenta a re-configuração de demandas e prática sociais, novas formas de pensar, de agir, de entender o mundo, as cidades, a informação, nós mesmos. a escola não está alheia a essas relações justamente porque ela faz parte da sociedade, a representa, constitui. como, então, a escola tem percebido essas novas relações?
dentre os muitos e relevantes aspectos abordados pelo autor, gostaria de destacar o que Lemos define como “Leis da cibercultura”, relacionando-as às perspectivas da educação atual, são elas:
1.  Lei da Reconfiguração, em oposição à lógica da substituição-aniquilamento. até que ponto o medo de que o saber formal (difundido, valorizado e repetido em livros, planos de disciplinas e práticas antigas de professores) fosse totalmente destruído e invalidado pelo acesso ao computador em salas de aula, demonstram um apego às práticas “bancárias” de reprodução tão caras à escola antes da cibercultura? que tipo de saber perde espaço quando se pretende salas de aula onde ocorram não apenas memorização e repetição, mas sim apropriação e re-configuração, questionamento e re-criação?
2. Lei da Liberação do pólo de emissão: além da emergência de vozes anteriormente reprimidas, há a construção de novas formas de relacionamento social, de difusão da informação, na rede. como se posicionaria a conjuntura formal da escolarização, suas políticas, legislação, financiamento, estruturação física das escolas, formação docente em uma perspectiva não polarizada? como pensar a descentralização, as distinções norte X sul, educação regular X educação especial? a escola está preparada para ouvir as vozes dos sujeitos que, historicamente, nela e por ela são silenciados?
3. Lei da Conectividade Generalizada: as implicações entre a conexão móvel e a desmaterialização dos espaços-tempos (ubiquidade da conexão humano-humano, humano-máquina, máquina-máquina). é possível se pensar uma escola em rede? (como bem disse Dan, os dados não devem ser nunca vistos apenas como dados.)
pensar a cibercultura da perspectiva da educação escolar nos permite ver muitas questões ainda abertas. não basta, por exemplo, pensar que o desenvolvimento dos dispositivos técnicos dá conta da complexidade dessa trama que é a cibercultura.
no caso das pessoas com deficiência visual, por exemplo, a questão da acessibilidade ainda se faz urgente, embora inúmeros recursos assitivos tenham sido criados, a distribuição deles não é equânime. as tramas e polêmicas da chamada “inclusão digital” demandam bem mais do que o mero controle maquinico do mundo: a sobrevivência cultural, social e política de qualquer sujeito na cibercultura ainda é algo a ser problematizado.

para saber mais sobre acessibilidade de pessoas deficientes visuais à web, sugiro o vídeo:
  





[i] LEMOS, A. Cibercultura: alguns pontos para compreender a nossa época. In: LEMOS, A.; CUNHA, P. (Orgs) Olhares sobre a cibercultura. Sulina: Porto Alegre, 2003. p. 11 -23.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

sobre a ausência de computadores e a gramática do tempo


eu já cursava a faculdade de pedagogia (na uneb, campus 12, em guanambi) quando, pela primeira vez, o uso do computador me foi apresentado como uma obrigação: uma professora exigiu que um relatório final da disciplina fosse entregue digitado, exclusivamente.
isso acondeceu faz quase uma década, mas parece uma era longínqua: os computadores já não eram vistos (tanto) como um item de filme futurista, eu até já tinha feito um curso de computação (sim, houve um tempo em que a gente precisava freqüentar um curso para aprender a manusear o mouse, o teclado, abrir janelas e tal, porque internet mesmo a gente não tinha, custava uma fortuna a conexão discada, principalmente no interior do estado.) mas naquela época, qualquer computador valia mais do que o nosso carro e nem mesmo a uneb disponibilizava algum para os alunos. resultado: fiz o trabalho no meu caderno, depois paguei alguém para digitar e imprimir, para, enfim, entregá-lo à professora.
quando da divulgação das notas, aconteceu uma tragédia: soubemos que alguém havia recebido uma nota zero. a moça era inteligente, ótima aluna, já trabalhava como professora, de língua portuguesa. não acreditamos. ao ser interrogada, a professora justificou: a nota devia-se ao fato de o trabalho ter sido entregue manuscrito.
[só quem fez magistério no século passado entenderá o que digo: houve mesmo um tempo em que trabalho escolar feito com esmero implicava letra caprichada e até ilustrações em cantos estratégicos da página.]
nota zero deve doer muito, todos nos sentimos injustiçados e por mais que a professora argumentasse que estávamos já na universidade, que não era admissível um trabalho manuscrito, a moça chorando sem parar, sabíamos que ela morava em um município bem pequeno, trabalhava em outro e vinha estudar em um terceiro, Guanambi, onde a universidade não oferecia um único computador para os alunos, mas naquele momento, soubemos: em seu município não havia lan houses, ela nem mesmo tinha eletricidade em casa. a professora, por fim, permitiu um prazo extra para a entrega do relatório, digitado, claro.


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meu computador morreu. isso foi no ano passado. não pude comprar outro ainda. desde então, sobrevivo entre lan houses mas principalmente nos campi da ufba: teatro, ici, educação e são lázaro. poderia desfiar um longo rosário sobre o que é depender de meia dúzia de máquinas limitadas, que quando funcionam, restringem boa parte dos sites/conteúdos que preciso abrir, daí que volta e meia tenho que pagar para imprimir algo que me interessa para ler depois.


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o Boaventura de Souza Santos, no livro gramática do tempo: para uma nova cultura política discute as possibilidades de uma “reinvenção da emancipação social”, através da análise das “alternativas à globalização neoliberal e ao capitalismo global produzidas pelos movimentos sociais e pelas organizações não governamentais na sua luta contra a exclusão e a discriminação em diferentes domínios sociais e em diferentes países” (p. 93). para tanto, o autor faz uma profunda crítica à tradição científica e filosófica ocidental e ao modelo de racionalidade que ela forjou, a chamada de “razão indolente” a qual sempre pretendeu transformar interesses hegemônicos em conhecimentos verdadeiros, obtendo como efeitos não só uma compreensão limitada do mundo, como uma compreensão limitada de si mesma e a produção de não-existências (assentadas na lógica da monocultura do saber, da monocultura do tempo linear, e da classificação social). para superar as ausências dessa perspectiva, Boaventura propõe a substituição das monoculturas por ecologias (dos saberes, das temporalidades, dos reconhecimentos, das trans-escalas, das produtividades), para expandir o domínio das emergências (das experiências sociais possíveis), propõe como campos sociais mais importantes "onde a multiplicidade e diversidade mais provavelmente se revelarão” as experiências de conhecimentos; de desenvolvimento, trabalho e produção; de reconhecimento; de democracia; de comunicação e informação.
este último campo, o das experiências de comunicação e informação envolve os “diálogos e conflitos suscitados pela revolução das tecnologias de comunicação e de informação, entre os fluxos globais de informação e os meios de comunicação social globais, por um lado e, por outro, as redes de comunicação independente transnacionais e os media independentes alternativos” (p. 122)
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cibercultura é um termo da moda. mas o que dizer dos que ainda não têm acesso aos elementos básicos da urbis moderna, como a eletricidade? e os "atrasados" da pós-modernidade que não possuem computador/internet?
hoje um computador não vale mais o preço de um carro e todo mundo tem um. todo mundo, será? um notebook vale 3 ou 4 salários inteiros, mais ou menos. no caso denunciado por Sigmar, das crianças asiáticas que pelo trabalho nas fábricas de iPhone, iPad recebem apenas 0,70 centavos por 16 horas de trabalho, penso em quantas centenas de dias sem alimento-roupas-escola-água-eletricidade-remédio-etc seriam necessários para que alguma delas conseguisse comprar um iMac, produto-objeto-de-desejo-mundial fabricado pela mesma empresa que as escravisa, a Apple.

a roda do tempo não para de girar, principalmente para os conectados. cada vez mais decisões que impactam a vida social são fomentadas na Web, para e por meio dela.
então, neste tempo, o que significa ser um/a:
          estudante que, como eu, não têm um pc?
          idoso que não sabe usá-lo?
          deficiente que não conte com uma adaptação necessária?
          analfabeto?
         habitante das muitas zonas sem cobertura da inetnet/eletricidade, Brasil a fora?
         ou
         criança asiática que precise comer após 16 horas de trabalho escravo, assim como outras tantas crianças pelo mundo, vítimas da exploração capitalista em vigor pelas corporações que regem o mundo hoje (conforme já discuti na postagem sobre o filme "a corporação") ?

somos excluídos.
mas estamos de todo alheios aos impactos-consequências-reconfigurações que as TIC permeiam-fomentam?
a complexidade dessa questão me faz pensar que, se não conseguimos superar tantas ausências de forma igualitária, construir uma nova perspectiva, baseada na colaboração, no intercâmbio de saberes-poderes, na comunicação em rede, elementos fundantes da cibercultura, se fazem cada vez mais urgentes: para todos.

estes pontos de muitos modos se articulam, num trançar dos fios conceituais, com críticas-projeções que tenho lido nos autores que consideram a cibercultura como nascedouro de um novo tipo de democracia, a ciberdemocracia. mas, por hora, sigo, com Boaventura me perguntando pelas (possíveis?) alternativas à teoria geral estabelecida, como também pelas possibilidades de transformação social e superação das injustiças, das desigualdades, da padronização do saber. enfim: o sentido da luta pela emancipação social.



para saber mais:

Boaventura: http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/homepage.php





segunda-feira, 9 de abril de 2012

tantas leituras, tantos leitores


caminhos da leitura e dos leitores até o ciberespaço

é certo que a leitura e a escrita constituem-se como bens culturais e historicamente construídos, cuja apropriação favorece aos grupos sociais que os detém, em detrimento de outros que não podem, não conseguem, ou são impedidos de acessá-los.
apesar disso, de tão intrínsecos ao nosso modo cotidiano de ser e agir, a leitura e a escrita, bem como suas práticas e suportes, parecem ser equânimes e eternos. mas não são. pessoas como Roger Chartier , um proeminente historiador da leitura francês, têm se dedicado a investigar as múltiplas histórias que o ato de ler e escrever encerram: a origem, a difusão, a valorização (ou impedimento), as mutações que a leitura, seus suportes e prática vêm sofrendo e suas respectivas implicações sociais e culturais.
no livro “Navegar no ciberespaço: o perfil do leitor imersivo”,
Lúcia Santaella diz que os estudos sobre a leitura têm merecido cada vez mais destaque, na medida em que a nossa sociedade se dá conta das (e se assombra com) as revoluções atualmente presenciadas com a criação do ciberespaço e a subseqüente popularização dos seus suportes e estruturas para o texto escrito, como os cd-rom, a hipermídia, a internet. esse contexto traz promessas e incertezas: o potencial da leitura no computador, ao mesmo tempo que poderia nos dar acesso ao sonho de ter toda uma biblioteca de Alexandria ao alcance de um “clique”, paradoxalmente, talvez também possa significar o desaparecimento da cultura escrita.
sem adentrar na discussão sobre o futuro impresso nesse novo contexto, Santaella buscará traçar as características perceptivo-cognitivas de um novo tipo de leitor, emergidas através da diversidade dos atuais suportes eletrônicos e estruturas híbridas e alineares do texto no ciberespaço.
para mapear esse novo leitor, Santaella realiza uma “busca de determinações passadas que possam ajudar a compreender os vetores do presente”, com isso, fundamenta a sua classificação do que seriam os três tipos de leitores, a saber: 1. o leitor contemplativo, meditativo (leitor do
códex, silencioso, fixado em objetos e imagens estáveis, localizáveis, ele presenciou a difusão da imprensa) 2. o leitor movente, fragmentado (leitor dos jornais e do cinema, oriundo do frenesi da modernidade, habitante dos centros urbanos, com suas notícias rápidas e fragmentadas, leitor das imagens, da publicidade); 3. o leitor imersivo, virtual (leitor do computador, que navega pelas infovias do ciberespaço “entre nós e nexos construindo roteiros não lineares, não seqüenciais”).

por meio da pesquisa de campo e do levantamento teórico fundamentado nas ciências cognitivas que o livro apresenta, Santaella explorará justamente este último tipo de leitor, definindo-o e caracterizando-o.



sobre leitores cegos: outras histórias


seria possível tomar por base o mapeamento perceptivo que Santaella realiza e relacioná-lo às práticas de leitura comuns à um grupo bem particular de leitores, as pessoas cegas, grupo este a que a autora não se refere, mas que igualmente tem transitado pelas revoluções nos modos de ler? é certo que muitas são as particularidades da exposição de Santaella, como a fixação de sua análise nos hábitos de leitores a part ir do codex, não se referindo aos usos do papiro nem da leitura em voz alta, através de ledores (prática bastante comum principalmente na idade média), enfocando o desenvolvimento da leitura silenciosa, visual. apesar dessas e outras nuances, penso ser possível explorar o mapeamento que ela faz para melhor compreender o perfil dos leitores cegos, através das suas práticas de leitura, e das tecnologias usadas. assim, temos:


1. o leitor cego contemplativo: desde a antiguidade, os cegos valiam-se da leitura realizada por ledores (pessoas que lêem em voz alta tornando os conteúdos escritos acessíveis a pessoas com limitação visual – idosos ou cegos – ou que não conhecem o código escrito, como os analfabetos as crianças, por exemplo), mas apenas na modernidade, com o advento da escrita em relevo, desenvolvida por Luis Braille, na França, este leitor também pôde escrever. os livros impressos em Braille começam a se difundir, paralelamente à criação de instituições especializadas na educação dessas pessoas (como o IBC e o ICB)


[descrição da imagem: criança cega escreve em braille através de uma reglete e punção]



[descrição da imagem:criança cega lê livro impresso em braille, ao lado, uma máquina de datilografia braille]




2. o leitor cego movente, fragmentado: a difusão dos jornais e principalmente dos rádios, dos gravadores que possibilitam através das fitas k7 (e depois com os CDs) a gravação de leituras (livros falados) e assim a composição de audiotecas.


3. o leitor cego imersivo, virtual: os leitores cegos têm acesso ao computador por meio de tecnologias assistivas - ajudas técnicas que permitem ou facilitam este acesso com autonomia, através de softwares ledores de tela, que lêem os arquivos selecionados, valendo-se de programas de síntese de voz. os mais usados são: o Dosvox, o NVDA, o Jaws (sobre tecnologias assistivas, tomo por base os trabalhos do professor Teófilo Galvão Filho).




[descrição da imagem: duas pessoas utilizam o computador através de software adaptado para pessoa com baixa visão]


[descrição da imagem: duas pessoas cegas utilizam o computador, por meio de ledor de tela]





podemos perceber que para as pessoas com deficiência visual, cegas ou com visão reduzida, que durante séculos estiveram alijadas da cultura letrada, a atual possibilidade de acesso ao saber e ao poder que a leitura representa constitui-se como elemento fundamental para a modificação dos mecanismos de segregação a que, historicamente, estes sujeitos estiveram submetidos, assim como o acesso à educação, ao trabalho, à vida social.
assim como ocorre com as pessoas que enxergam, o computador subsidia uma revolução nos modos de ler e escrever também para os cegos, pois permite o acesso a saberes e informações com os mais diversos graus de complexidade, com maior rapidez e comodidade, além da possibilidade da comunicação e interação à distância, em tempo real. no entanto, as implicações dessa nova forma de leitura realizada pelos cegos, a leitura imersiva, virtual, têm preconizado uma série de discussões que envolvem elementos como uma suposta preferência pela leitura no computador, baseada na voz sintetizada de um programa, em detrimento de uma leitura ‘direta’, em efetivo con-tato com o livro impresso. esse fenômeno é chamado de “desbraillização”. (sobre este assunto, sugiro a análise-militância da professora Joana Belarmino)


inseridos em um mundo de predomínio do escrito impresso de maneira inacessível, em tinta, cores e formas que eles não podiam acompanhar, a inserção dos cegos na cultura do impresso se deu de maneira revolucionária e indelével, através do sistema Braille. porém, aliados à histórica limitação ao acesso e uso do Braille, atualmente ainda coexistem inúmeros outros fatores que obstaculizam à leitura pelos cegos: o reduzido número de bibliotecas públicas e escolares com acervo adaptado; o alto custo de material (impresso ou dos recursos de acessibilidade digital) frente à realidade de pobreza a que a maioria dos deficientes se encontra no Brasil; além das barreiras existentes em espaços culturais como museus, teatros e cinemas, como a limitada prática da audiodescrição*.


esses aspectos devem ser problematizados se quisermos efetivamente superá-los, principalmente no tocante às condições precárias de acesso à cultura e à educação, obstáculos intensificados quando considerado como sujeito leitor o deficiente visual.


ao perceber que é historicamente variável o modo como o ensino da leitura é compreendido e efetivado nos diferentes níveis de escolarização, bem como seus respectivos objetivos, fundamentos e métodos, tenho compreendido que o acesso (ou impedimento) à leitura tem se dado de maneiras múltiplas, principalmente na sociedade atual. a escola, ambiente privilegiado de formação de leitores, também precisa refletir sobre as implicações que os suportes usados podem gerar para o processo de ensino e aprendizagem da leitura. no caso dos estudantes com deficiência visual, faz-se urgente compreender e discutir as implicações para aprendizagem e formação desses educandos, oriundas da leitura não mais na página impressa em Braille, mas agora através de programas que literalmente lêem em voz alta o que se encontra escrito na tela do computador.





* Audiodescrição é tradução em palavras de imagens estáticas (pinturas, esculturas, fotografias, ilustrações de livros didáticos etc) ou de materiais audiovisuais (filmes, programas televisivos, espetáculos teatrais, de dança etc), tornando essas informações visuais acessíveis às pessoas cegas ou com baixa visão.





obs: todas as fotografias são do Arquivo IBC



fontes:

SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço: o perfil do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.


para saber mais sobre leitura e deficiência visual:


curso virtual de braille e texto interessante sobre o braille


outras referências:



CHARTIER, R. Lo popular: entre desprecio y mercado, entre creencia y distancia. In: BARBOSA, M. H. S; RETTENMAIER, M; ROSING, T. M. K (orgs.) Leitura, identidade e patrimônio cultural. Passo fundo: VTF, 2004.
___________. Os desafios da escrita. Tradução de F. M. E. Moretto. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
___________. Práticas de leitura. Tradução de C. Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
___________. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução de R. C. C de Moraes. São Paulo: Editora UNESP/Imprensa oficial do Estado de São Paulo, 1999.
___________. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução de M. Del Priore. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.
DIDEROT, D. Carta sobre os cegos endereçada àqueles que enxergam. Tradução de A. G da Silva. São Paulo: Editora Escala, 2006.
GALVÃO FILHO, T. A. Tecnologia assistiva para uma escola inclusiva: apropriação, demanda e perspectivas. 2010. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
MARTINS, B. S. E se eu fosse cego? Narrativas silenciadas da deficiência. Lisboa, Portugal: Colecção Saber Imaginar o social, Edições Afrontamento, 2006.
SILVA, L. M. da. Qualquer maneira de ler vale a pena: sobre leituras, ledores e leitores cegos. Presença Pedagógica. Belo Horizonte/MG, v. 15, p. 12-17, 2009.
___________. Diferenças negadas: o preconceito aos estudantes com deficiência visual. Salvador: EDUNEB, 2008.